... É gente activa, é família unida, por uma aldeia, por uma paixão, e para toda a vida . Unida por um passado que se vive presente, e por uma tradição que tanto encanta e se sente. Neste blog se honra a história da família Valente, e de todos os que amam a sua terra-mãe: Santana de Cambas. Aqui ficam para sempre as imagens e estórias tornadas História, para que sejam revisitadas em sorrisos e lágrimas, de amor e de saudade.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Santana de Cambas: Freguesia tem "meia" Igreja

Alentejo: Padre reza missa num concelho para fiéis sentados noutro

Numa povoação alentejana dividida por dois municípios, a “velhota” Patrocínia Guerreiro entra em casa em Serpa e sai pelas traseiras já em Mértola e o padre reza a missa num concelho para fiéis sentados no outro.

“A minha casa é especial. A porta da frente está no concelho de Serpa e a de trás já está no de Mértola”, contou à agência Lusa e entre risos a idosa, de 74 anos, que mora numa das casas construídas em cima da linha que traça a divisão administrativa entre aqueles concelhos do distrito de Beja e que atravessa a povoação de Vale do Poço.

Encostada à Estrada Nacional 265 e a poucos quilómetros da aldeia da Mina de São Domingos, a povoação, com cerca de 100 habitantes, estende-se por seis hectares, metade dos quais pertence à freguesia do Salvador, no concelho de Serpa, e a outra à de Santana de Cambas, no de Mértola.

Sentada na cozinha, onde passa “a maior parte do tempo” entre bordados, “a entretenga dos dias”, Patrocínia confessou que “nunca viu a partilha da casa”, que está registada e paga contribuição autárquica em Serpa, mas “desconfia” que “a salinha de estar, que dá para a frente, deve ser Serpa”, a cozinha, no meio, deve ser “a fronteira”, e “o quarto, que dá para as traseiras, já deve ser Mértola”.

“Ao que parece”, Patrocínia, antiga “mulher do campo” que vive sozinha e “anda sempre bem-disposta”, entra em casa pela porta principal ainda no concelho de Serpa, cozinha e come “na fronteira”, mas dorme e sai pelas traseiras já no de Mértola.

A poucos metros da casa de Patrocínia, a capela de Vale do Poço, inaugurada em 2001, também foi construída em cima da linha da divisão administrativa entre os dois concelhos e, apesar de estar “quase toda” na freguesia do Salvador, “tem o altar na freguesia de Santana de Cambas”.

Por isso, “é costume dizer-se, em jeito de brincadeira, mas com um fundo de verdade”, que, em Vale do Poço, “o padre reza a missa em Mértola para os fiéis sentados em Serpa”, contou à Lusa o presidente da Junta de Freguesia de Santana de Cambas, José Rodrigues.

A Capela de Santo António faz parte da paróquia de Santana de Cambas, mas é servida por dois padres, um de Serpa e outro de Mértola, que rezam missa, uma vez por mês cada um, e prestam assistência religiosa a baptizados, casamentos e funerais, “conforme são chamados pelas pessoas”, disse à Lusa Hortênsia Ramos, 77 anos, uma das mulheres da povoação que “cuida” da capela.

Num regresso ao passado, José Rodrigues justifica a “particularidade” de Vale do Poço, contando que a povoação “cresceu à volta” de duas fábricas de moagem de cereais que se instalaram na zona, no início dos anos 30 do século XX.

Em pleno Estado Novo, durante a Campanha do Trigo (1929-37), as fábricas, “para fugirem ao imposto que tinham de pagar quando transportavam cereais de um concelho para outro”, “instalaram-se de propósito em cima do risco da divisão administrativa e com uma porta para o lado de Mértola e outra para o de Serpa”.

Desta forma “engenhosa”, frisou José Rodrigues, “as fábricas moíam e serviam de trampolim para passar os cereais de um concelho para o outro sem pagar impostos”.

Para os habitantes, a “particularidade” de Vale do Poço “tem sido mais vantajosa do que prejudicial”, frisou o autarca, referindo que a povoação “foi a primeira dos concelhos de Mértola e de Serpa a ter saneamento básico e ruas alcatroadas”.

Graças a um entendimento entre os autarcas, alcançado em 1997, a Câmara de Mértola instalou a rede de abastecimento público de água e de esgotos e a de Serpa fez os arruamentos, lembrou José Rodrigues, acrescentando que há seis anos as duas autarquias organizam também em conjunto uma feira anual transfronteiriça.

Apesar de os autarcas das duas câmaras e das duas juntas serem de forças políticas diferentes, “o entendimento é perfeito”, garantiu José Rodrigues (PCP), corroborado pelo presidente da Junta de Freguesia do Salvador, Mário Apolinário (PS), que, frisou, “a administração de Vale do Poço é feita em parceria” e “as obras necessárias, sejam em que freguesia for, são feitas em conjunto”.

A obra mais recente, que permitiu recuperar, em 2005, os balneários públicos e construir a “casinha de espera do autocarro”, situadas à entrada da povoação, “foi feita com materiais cedidos pela junta do Salvador e com mão-de-obra paga pela de Santana de Cambas”, exemplificou José Rodrigues.

Apesar da naturalidade e da residência, salientou José Rodrigues, “a maior parte das pessoas virou-se para Serpa”, porque “fica mais perto, tem melhores serviços de saúde e mais oferta de serviços” e devido à “facilidade de transporte”, já que “há dois autocarros por dia entre Vale do Poço e Serpa e apenas um por semana para Mértola”.

Em Vale do Poço, com ruas sem nome e casas sem números de porta, foram criados 118 apartados, metade para os habitantes de cada freguesia, mas todos com código postal de Serpa, que distribui o correio.

Uma situação que “tem causado alguns inconvenientes” aos habitantes, sobretudo aos de Santana de Cambas, quando apresentam atestados de residência passados por aquela junta de freguesia de Mértola, mas com morada com código postal de Serpa.

“As pessoas lá têm que explicar a particularidade de Vale do Poço”, disse José Rodrigues, referindo ainda os “inconvenientes” dos habitantes de Santana de Cambas quando vão ao Centro de Saúde de Serpa.

“São atendidos, mas há sempre o problema da freguesia, que pertence a Mértola”, disse, referindo que “o ideal seria a povoação estar num só concelho”.

“Mas isso implicaria fazer um referendo para saber em que concelho os habitantes gostariam de ser integrados e, depois, mexer na linha de divisão administrativa entre os concelhos para Vale do Poço ficar só num”, disse, admitindo que “a maior parte das pessoas e os autarcas não estão muito receptivos à ideia”.

“Resta-nos, como até agora, ir gerindo o melhor possível a particularidade de Vale do Poço”, que “já se tornou indiferente para os habitantes, que estão de tal forma habituados que nem ligam”.

“Fazemos de conta que somos todos do mesmo concelho. Olhe, somos todos de Vale do Poço”, remata Patrocínia Guerreiro, que vai continuar a “passear” entre os concelhos de Mértola e Serpa sem precisar de sair de casa.

Fonte: Agência Lusa – Setembro 2008

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