Com nosso andar apressado eis que chegamos junto do cemitério, que nos surge em realce, suspenso, quase como uma aparição. Sempre esteve ali, é certo, mas as suas paredes exteriores reflectem o sol que sobre elas incidiu durante todo o dia, conferindo-lhe agora uma luz suave e ténue, como se uma aura branca e cintilante o envolvesse ainda mais em mistério. A sua porta, gradeada no topo e de ferro e negra como fumo, contrasta agora nitidamente com as altas paredes brancas que a seu lado a sustém, e através dela, sobre as campas e gavetões, distingue-se um ligeiro fogo fátuo, como se de um pó púrpura se tratasse, pairando em desalinho sobre a imensa mansidão do lugar.
Duvido se sozinho conseguiria ali estar naquele momento. Duvido, embora estivesse habituado a lidar com a morte de uma forma natural. Lembro-me sempre de um tio meu que todas as manhãs por lá passa antes de ir para a horta e vai dizer bom dia aos meus avós e restante família. E com eles fala do tempo, dos filhos quando vêm, do almoço que vai fazer com as couves da horta, enfim… fala por longos e animados minutos como se seus parentes estivessem ainda vivos e ali à sua frente. Habituei-me a ver isso desde miúdo e assim o faço hoje e sempre que os visito. Falo com eles. Lembro-me também de um rapaz de um monte ali perto que, órfão de pai e mãe, vinha todas as noites descendo com sua motorizada até ao cemitério, saltava o muro lá para dentro e passava grande parte do serão com seus pais falecidos. Porque o amor tudo vence. Ou até a história recente de uma velhota que lá ficou fechada por uma noite inteira e surpreendeu um caçador que por lá passou de madrugada e ouviu uma voz lá de dentro a pedir ajuda e com o susto que apanhou já não foi caçar nesse dia. E a velhota ainda é viva.
Mas claro que a noite tudo transforma e as sombras que ela traz e as histórias que ouvimos ou que vemos no ecrã conferem ao cemitério e às coisas do oculto toda uma envolvência e misticismo que transforma facilmente a minha naturalidade em medo, pânico, ou porque não dizê-lo, terror.
Mas não estava sozinho. Felizmente não estava só, e pude assim contemplar aquela rara beleza que também existe nos lugares e nas coisas que mais receamos. Ali ficámos por largos momentos junto ao portão, apreciando de relance o interior do cemitério, enquanto puxávamos de mais um cigarro amarrotado do bolso das calças e continuavamos a nossa conversa, que tinha mudado de tema e era agora sobre o hotel de luxo que um dia gostaríamos de construir em Santana, para a família toda viver, com 20 andares e piscina olímpica com vista para o grémio. – Epá, isso é que era!
Facilmente nos esquecemos assim do barulho perturbador que ouvimos minutos antes, enquanto descíamos para o cemitério. A conversa retomou calmamente, os cigarros apagaram-se no chão e seguimos então deixando o cemitério à nossa esquerda em direcção ao imprevisto.
(continua…)
2 comentários:
porra pedro mais um dia sem saber ke passou ve se terminas a historia ,nao tenho pachorra ,mas uma pergunta ,viste alguma vez algum morto a passear?
Olá Fina!
Faltam só mais 2 episódios... ou 3, não sabemos ainda.
Fica o suspense... Só posso adiantar que não vimos nenhum morto "vivo" :)
Beijinhos,
Geração Valente
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