Caminhámos mais uns quantos metros junto ao muro do cemitério e subimos depois por um caminho algo apertado, sito entre o muro e a rocha escavada, deixando para trás a velha calçada e seguindo descontraídos por esse trilho estreito e feito de terra e que logo depois se alarga e nos leva até ao cimo do monte, lá depois de um grande aglomerado de árvores, que em miúdo eu chamava de floresta. Cimo do monte. Era esse afinal o nosso destino.
O cemitério ficava agora atrás de nós, imponente com a sua quietude e calma imutáveis. À medida que íamos subindo podíamos apreciar de novo a aldeia ao longe, agora à nossa direita, e tive a sensação que nunca me pareceu tão bela como então. Vista dali, àquela hora, Santana de Cambas era um autêntico presépio, com suas luzes difusas espalhadas por toda a aldeia, as suas casas rasas singelas e todas arrumadas umas nas outras subindo ordenadas até à igreja, lá bem no alto, iluminada no topo com luzes de várias cores.
Seguíamos então lado a lado, agora com um passo mais demorado, continuando distraídos com as nossas conversas de sempre. A lua estava agora diante de nós, misturada entre milhões de estrelas e prestes a perder-se por entre as densas árvores lá no alto. Foi nesse preciso instante que ouvimos…
- CRRRRRRR…
Um ruído estridente e metálico atrás de nós, foi tão intenso que demos um salto para o ar despertando do torpor e começámos a correr desalmadamente pelas nossas vidas, só parando bem lá mais à frente, por detrás de um largo sobreiro que usámos como única protecção e abrigo. Estávamos ofegantes e tão confusos e nervosos que olhámos uns para os outros de olhos bem abertos e comecámos a rir, ainda com as mãos nos joelhos e tentando recuperar o fôlego. – Mas que raio foi aquilo?…
Não compreendendo o que se tinha passado, espreitámos a medo agora lá para baixo, de onde o barulho surgiu. Aquilo que tinhamos ouvido, e que durou uns quantos segundos, foi como se algo enorme e metálico tivesse caído vertiginosamente do céu, lá do outro lado do cemitério, e se aproximasse logo em seguida de nós, aos solavancos, em fúria, trazendo tudo atrás de si. Contudo observámos atentos em redor e nada vimos de suspeito. Não se via vivalma. Tudo à volta do cemitério continuava calmo e silencioso, como se nada se tivesse passado. Nem ruido, nem fumo, nem movimento. Da aldeia ouviam-se agora alguns cães uivando à lua, mas a paz continuava bem presente naquele lugar e em tudo à nossa volta.
Só dentro de nós a paz não regressou mais. Ao acalmarmos um pouco reparamos que estamos afinal mesmo ao lado da horta do tio, onde se distinguem na noite escura algumas árvores de fruto e lá ao fundo uma pequena casa de arrumos feita em madeira. Pensei na altura que esse seria um bom refúgio para nos abrigarmos. Poderíamos lá esperar escondidos por uns instantes e ver o que se passa. Era um bom plano, talvez. Mas a nedo acabámos por decidir que teríamos de continuar, e de seguir em frente, pois voltar pelo mesmo caminho e passar junto ao cemitério seria arriscado e estava agora completamente fora de hipótese. Não, vamos até lá acima e depois podemos descer o monte pelo outro lado e seguir pelo campo, pela direita, em direcção à aldeia.
Seguimos então meio calados e meio á pressa pelo monte acima. Lembro-me que ouvia as batidas do meu coração bem fortes, como se o tivesse mesmo junto ao ouvido, e senti que ouvia os outros três corações, batendo em uníssono num ritmo perturbador. Seguíamos bem junto uns dos outros, mudos, o nosso pensamento ocupado, tentando raciocinar em condições e encontrar em nós alguma explicação para o sucedido. Mas não encontrávamos resposta. Era em vão.
Rapidamente chegamos junto às árvores. Frondosos eucaliptos, altos e muito juntos entre si. O chão sob eles estava repleto de folhas secas que impediam o silêncio dos nossos passos. Decidimos abrandar um pouco, não só para evitar o barulho que causava o nosso andar, como também para recuperar o fôlego e respirar um pouco de alívio. Afinal já tínhamos andado bastante e sentimos que estávamos já longe do local onde “aquilo” se passou. Abrandámos o passo, mas não parámos de andar. As árvores afunilavam agora a nossa marcha e cedo fomos obrigados a seguir em fila, uns atrás dos outros. A lua estava agora mais intensa, brilhante á nossa frente, surgindo nos raros espaços deixados pelo arvoredo. Era como uma película, um filme daqueles em que as várias sequências são intercaladas por múltiplos cortes a fundo preto.
Íamos tão juntos uns dos outros que de vez em quando pisávamos os calcanhares de quem ía à nossa frente, o que dava motivo suficiente para retomar nosso riso e boa disposição. Estávamos a viver algo irreal, inexplicável. A par disso estávamos cansados e sobretudo incrédulos e apavorados. No entanto era indisfarçável o sentimento incontido de aventura e de máxima adrenalina. Emoções fortes. Aos poucos libertámo-nos do medo e do silêncio que nos prendia e retomámos alguma calma, trocando a espaços alguns risos e palavras. Estávamos agora completamente envoltos pelas árvores e pela escuridão e continuávamos caminhando em fila, rumo ao cimo do monte. Já não falta muito, pensei. De súbito, um enorme clarão surgiu do céu e incidiu sobre nós. Só tive tempo de ver um foco de luz branca sobre as árvores, por cima de nós. E logo se apagou. Tudo se apagou. No segundo seguinte abri os olhos. Olhei então à minha volta e não soube reconhecer onde estava. Só sei que estava só, desprotegido, cheio de medo, no meio do nada.
(continua…)
1 comentário:
priminho kero ver a conclusao da historia beijo
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